Texto de Jean Paul Bourre
Na
Transilvânia, a uma altitude vertiginosa acima de uma paisagem
selvagem, toda
florestas e ribeiros, eleva-se uma cidadela inacessível onde,
enclausurado
voluntariamente, vivia noutros tempos um príncipe...
Este
solitário não tinha senão um único fim: transpor os limites da morte e
entrar vivo
na eternidade. Drácula, eis o nome deste amante das ciências
malditas. Nosferatu,
isto é: o «não morto», aquele que não morre nunca.
Como ele,
outros senhores poderosos transformaram os seus castelos romenos em
ninhos de
águias, ficando discípulos do Anjo Negro, Lúcifer. Esses sim, praticam o
verdadeiro vampirismo, alquimia do sangue e da morte.
Nosferatu
pode escrever-se só no plural porque não há só um nosferatu. Se
Drácula,
o príncipe Vlad Drakul, cuja história romena recorda, é considerado
como o soberano dos adeptos da noite, ele não é único «não morto».
Outros
pertenceram ou ainda pertencem a essa cadeia onde os segredos do sangue
se
transmitem do mestre para o discípulo.
Os
vampiristas conhecem o ritual de chamamento à vida, o ritual do despertar
que
se pode encontrar no Livre Sacré d’ Abramelin le Mage. Foi
a partir
deste manuscrito
que formou a primeira cadeia dos «não mortos» que
se espalharia pela Europa inteira.
No âmbito
da magia e terror tal como se passa com os elfos
,
os papões, as fadas, o lobisomem etc., nós vimos
o vampiro aparecer com rara constância nas lendas e tradições populares.
No
entanto, a lenda não é somente uma «crença popular», uma vaga superstição de
que nos lembramos. Ela pertence sempre a uma realidade esquecida,
temerosa.
A história
revela-nos que o conde Drácula não era conde mas príncipe e que reinou
em
Valáquia, província dos Cárpatos,de 1456 a 1462. É também conhecido pelo
nome
de Vlad Tepes, o que quer dizer vlad o empalador. O historiador
Florescu
descreve-o como especialista em empalamento e tortura, homem sanguinário
e
destemido guerreiro.
«Ele
empregava», escreve ele, «estacas e lanças que precisavam ser afiadas,
para que
as perfurações não provocassem imediata agonia e antes intensificassem o
sofrimento dado o tipo de chaga alargada que daí resultava.»
A Romênia
– especialmente a Transilvânia de século XV tem a marca do vampiro.
Tudo, desde
a busca mágica do príncipe Drácula, a criação da Ordem do Dragão por
Segismundo
I da Hungria que se tornou ponta de lança da cavalaria das trevas, uma
ordem
vampírica a que toda a aristocracia da Transilvânia aderiu, os Drácula,
os
Garai, Cillei e outros, tudo ali existe.
A
crueldade de vlad ficou na lenda.
«Ele foi
vlad Tepes, o
tirano. Nada o satisfazia tanto como ver
os seus inimigos
no estertor e sofrer quando empalados. Conta-se que no meio dos
moribundos
suspensos de estacas ele se fazia servir das mais lautas refeições, para
mostrar que o espetáculo cruel e a forma de matar os inimigos não lhe
roubava o
apetite.» (F. R. Dumas.)
Em
Târgoviste ele empalou, na Páscoa de 1459, quinhentos Boyards. A 24 de
Agosto
de 1460, os anais da Romênia precisam que ele matou – após torturas e
suplícios
– 30 000 prisioneiros em Anilas:
«Assassinou
alguns fazendo passar por cima deles os rodados de carros. A outros,
despojando-os das suas roupagens, arrancou a pele até às entranhas.
Assou
alguns sobre brasas, atravessados por espetos e a tantos perfurava-lhes
as
nádegas com estacas que saíam pela boca... e parra que nada fosse
esquecido,
quanto a atrocidades possíveis, espetou, a uma mãe, os dois seios
colocando-lhe
por cima o filho ainda bebê.»
Enfim,
matou de muitas e diversas maneiras, torturando com a ajuda de
utensílios,
fazendo atrocidades que só o mais tirano dos tiranos poderia conceber.
O papa Pio
li ficou horrorizado. O bispo d’ Erlau, em 1475, secundou a acusação de
que o
número de vítimas do príncipe Drácula se elevava a mais de cem mil
pessoas.
Sendo ele
cristão ortodoxo, a sua excomunhão tê-lo-ia atirado para os infernos! E
não foi
citado que, após ter conquistado Kroonstadt, fez dos seus habitantes
prisioneiros levando-os para a capela de S. Jacques, para a Igreja de S.
Bartolomeu e para o mosteiro de Holtznetya onde, depois de roubar os
paramentos
e os cálices, deitou fogo aos edifícios com as pessoas lá dentro,
matando todos
os que ali se encontravam.
Com a
aparição de um tal Eleazar, chegado do Egito, detentor do famoso Manuscrito
de
Abremelin, é que tudo afinal começou...
Uma seita
do Egito revelou-lhe os mistérios da morte e as técnicas que permitiriam
obter-se um aspecto de imortalidade. Chegado a Veneza, transmitiu para a
escrita tudo o que ouvira da boca de Abramelin, no Egito. É em Veneza
que põe
em prática a sua ciência sobre os mortos... de um modo eficaz e
terrífico.
Alguns jovens mais ousados agruparam-se à sua volta e formaram o
primeiro elo
desta cadeia européia. Este saber vinha das práticas de Osíris, o deus
dos
mortos-vivos do Egito, aquele que foi desmembrado antes de se tomar
imortal.
Nas
primeiras páginas do manuscrito maldito, Abramelin revela através da
escrita de
Eleazar: «Imagina a que ponto a nossa seita se tornou maldita que
ultrapassa o
gênero humano... de tal modo que em ti , não se manterá para além de uns
setenta e dois anos... e outra virá continuar-lhe caminho.»
O
discípulo de Abremelin deixou Veneza, onde ficou um grande número de
partidários que se instalou na ilha de Lagune, ilha essa onde noutros
tempos se
orara ao dragão das águas, o que prova que nada se escolhe por acaso...
Eleazar
chegou à Hungria, onde se tornou conselheiro, em matéria de ocultismo,
do
imperador Segismundo, iniciando-o nas práticas de Abremelin.
O
imperador da Hungria acabava assim de descobrir uma resposta para as
suas
angústias, um remédio para o seu temor à morte. Aconselhado por
Eleazar
fundou a Ordem do Dragão na mitologia do sangue.
Vlad o
Diabo, príncipe da Valáquia e pai de Drácula, pertencera a esta Ordem,
onde foi
iniciado nos mistérios do sangue segundo os ritos de Abremelin.
A seguir à
morte de Vlad, Drácula subiu ao trono de Valáquia. Segismundo da Hungria
doou-lhe as terras, feudos de Almas e Fagaras situados na outra vertente
dos
Cárpatos e é sob a bandeira do Dragão que ele combate os turcos, depois
de
prestar vassalagem ao grão-mestre da Ordem.
Na Ordem do
Dragão vamos encontrar os grandes adeptos vampiros da Romênia, homens de
armas
e ao mesmo tempo praticantes da velha magia. As famílias Garai e Cillei,
são
conhecidas pela sua crueldade e despotismo, autênticas «eminências
pardas» do
imperador Segismundo. Hermann de Cillei foi o exemplo vivo desta
aristocracia
infernal!
As relações pervertidas que mantinha com
a
irmã bárbara tornaram-se do domínio público mas Hermann de Cillei gozava
com o
escândalo para o qual ele e sua irmã viviam.
Foi nessa
altura que Segismundo I tentou a grande experiência do livro de
Abramelin. Ele
estava apaixonado por bárbara de Cillei que, ainda nova, cansada pelos
seus
excessos debochados, acabava de se envenenar.
bárbara de
Cillei fora por muito tempo das cúpulas da ordem. Segismundo serviu-se
do
ritual próprio para ressuscitar esta jovem, segundo nos conta Eleazar
através
dos seus documentos.
O castelo de Drácula
Bárbara foi
enterrada em Gráz, na alta Síria. Algum tempo depois, os seus despojos
foram
transportados para o castelo de Varazdin. Foi ela a inspiradora da obra
prima
da literatura vampiresca do século XIX: Carmila, de Shéridan Le
Fanu.
Bárbara
Cillei, a quem chamavam «a Messalina alemã», perturbou durante muito
tempo a
sua região, a acreditar-se nas crônicas da época.
O seu
duplo ter-se-ia manifestado em 1936, em Varazdin, na atual Jugoslávia, e
causou
a morte a seis pessoas muito novas da aldeia. Na Transilvânia, a
natureza
oferece à vista profusão desordenada de montanhas que protegem estreitos
vales,
tornando assim o acesso muito difícil. Os cumes desnudados ergem-se
sobre as
aldeias, como que para lembrar as glórias antigas na época em que os
enormes
penedos suportavam verdadeiras fortalezas de muralhas sombrias, de
maciças
torres.
Foi aí que,
fechado no seu ninho de águia, Hermann de Cillei escreveu a sua Pratique
de
Vampirisme, deixando às gerações futuras um verdadeiro manual de
técnica (o
segredo da «horrível transformação» transmitia-se entre as famílias da
nobreza
da Transilvânia, os Garaï, e os Dráculas, todos nobres da Ordem do
Dragão).
«O vosso
corpo imortal já existe», escreve Hermann Cillei. «Fazei crescer esta
outra
realidade em vós, tornai-vos confiante, deixai-vos possuir pelo Real.
Sede
aquele que nunca dorme, não sucumbe aos automatismos, nunca se esquece
de si
próprio nem um segundo, um ser que vence o coma e a morte. O vosso corpo
prosseguirá. Como poderia ele resignar-se à lei da decomposição? O vosso
espírito despertado retém as moléculas da carne. A partir de então o
corpo não
soçobrará, pois é a falta de vitalidade, de força anímica, que fazem o
corpo
tornar-se em pó. E o mesmo que tirar as pedras de cunha a uma casa.
»Em
primeiro lugar é preciso agir sobre o nosso duplo astral, torná-lo
autônomo,
forçá-lo a sair do corpo, ensiná-lo a errar no plano astral, ensiná-lo a
viver
sem depender do corpo e dos seus hábitos. Logo que o duplo se souber
governar
perfeitamente, pode então a consciência abandonar o corpo e vir habitar o
duplo. Depois da morte continuará a errar. Deveis pois alimentá-lo com a
vitalidade que o vosso sangue contém.»
Pode
imaginar-se facilmente Hermann Cillei metido numa das torres do seu
castelo,
fixando a chama hipnótica da vela, escrevendo o manual de vampirismo, já
entre
este mundo e o outro. Ouve vozes confusas vindas do passado, vê cenas
terríveis
de que as montanhas foram testemunhas... O vale está povoado por seres
fantásticos, sombras que deslizam ao cair da noite... olhos que
espreitam entre
a escuridão...
A maldição
plana como um abutre sobre os castelos da Transilvânia. Bárbara de
Cillei
morreu envenenada. A mulher de Drácula atirou-se do alto da torre do
castelo,
em 1462. Drácula voltou a casar-se – sem a bênção da igreja – e vive
então na
fortaleza de Sibiu. O filho, Mihnea, é tão mau como o pai. Alcunharam-no
de
Mihnea, o Mau. Também ele pratica decapitações, carnificinas,
cortes de
orelhas, empalamentos e estuda as «ciências» malditas para fugir à
morte.
O príncipe
Drácula – vlad Drakul – foi morto pelos turcos numa emboscada perto de
Bucareste. Tinha 45 anos, e «foi enterrado subrepticiamente no mosteiro
de
Snagov sob uma laje sem inscrição. Quando em 1931 foi aberta a sepultura
constatou-se que os seus despojos tinham desaparecido».
Que é que
se passou? pergunta Ribadeau-Dumas: «Os monges do mosteiro de Snagov, na
floresta de VIasie, no meio de um grande lago, como existe um em
Bucareste,
mergulharam o caixão nessas águas ao ver chegar os turcos vitoriosos.
Depois de
afundado nunca mais se encontrou o caixão. Conta-se que no momento em
que o
mergulharam na água, teria surgido uma tempestade violenta, deitando
árvores
abaixo, rebentando os diques do lago, incendiando o mosteiro que desabou
em
seguida. Aos camponeses pareceu-lhes ouvir durante muito tempo tocar os
sinos
da igreja, igualmente arrasada nesta onda de destruição. Aquele lago
ficou
amaldiçoado!
»No século
XX reconstruíram a igreja do convento, mas a nave abateu aquando de um
tremor
de terra em 1940. Hoje, apenas um monge ora nesta ilha, pelo repouso da
alma do
príncipe Drácula.»
Para se
chegar ao castelo de Drácula, na Transilvânia, é preciso transpor o vale
de
Ollul, trepar o desfiladeiro da «Torre Vermelha», onde ainda existem
ruínas de
uma fortaleza militar. Estas ruínas levantam-se sobre a margem direita
de uma
ribeira, no alto de uma enorme falésia perpendicular à estrada.
Encontramo-nos
nas nascentes do Arges, por cima das quais brilha a neve dos montes
Fagaras.
As aldeias
são pobres, as casas modestas, os habitantes mais duros e menos
sociáveis e
hospitaleiros que os de outras províncias da romênia. A uns trinta
quilômetros
a jusante encontra-se a aldeia de Arefu onde lá em cima se ergue o ninho
de
águia de Drácula.
Numerosas
lendas relatam a construção do castelo do terror. As crônicas da época
dizem
que Vlad Draklul reuniu trezentos nobres romenos na sala grande do seu
palácio
de Târgoviste, oferecendo-lhes um banquete suntuoso. Durante a festa,
colocara
à volta da sala os seus arqueiros que, a uma ordem sua, aprisionariam os
convidados. E, como um rebanho, fez seguir os seus convidados até Arefu,
onde
chegaram dois longos dias depois.
Numerosas
mulheres e crianças, diz a crônica, não agüentando a caminhada,
pereceram a
meio. Os que sobreviveram, logo se agarraram ao trabalho sob as ordens
do
príncipe Drácula. E assim construíram a fortaleza de Curtes de Arges,
que seria
mais tarde o ninho de águia do príncipe.
«A história
não esclarece quanto tempo levou esta construção. Escravizados, acabaram
por
ver suas roupas cair, continuando a trabalhar nus; prosseguiram até
tombar
mortos pela fome, fadiga, frio e esgotamento...»
Foi assim
com sangue que se construiu a fortaleza. Como se o suor, o sangue, a
carne dos
cadáveres tivessem servido de argamassa a esses pedregulhos.
O caminho
que vai de Arefu ao castelo é duro. Uma hora a andar, antes de se
atingir
algumas pedras daquilo que foi uma das mais poderosas fortalezas de
Valáquia. A
vista é vertiginosa, distinguindo-se a mancha vermelha das aldeias
espalhadas
pelos contrafortes alpinos. Lá longe, para norte, luzem os picos de neve
dos
montes Fagaras.
No pátio do
castelo o visitante apercebe-se dos vestígios de uma abóbada, toda
coberta de
vegetação. Muito perto, vê-se a parte de cima de um poço, cheio de
pedras, como
se as muralhas do antigo castelo tivessem sido aspiradas pelo abismo,
obstruindo para sempre a entrada do mundo subterrâneo.
Ao lado do
poço há uma escada enterrada no solo, sem dúvida uma passagem secreta,
de que
muitos relatos falam, com acesso a uma gruta que os camponeses de Arefu
chamam
Privnit (A cave), situada na margem de uma torrente. Passados
alguns metros
de escuridão surge um montão de pedras que barram o subterrâneo.
Os
camponeses da região comentam muitas vezes sobre o castelo maldito mas
hesitam
em ir até lá, pois que o sombrio herói de Bram Stoker assombraria para
sempre
aqueles lugares.
Para Radu
Florescu – o histonador romeno –. «Além da águia e do morcego, as ruínas
são
frequentadas pelas raposas que procuram os ratos e alguma ovelha ou
carneiro
que, extraviados do rebanho, caíram num buraco e, prisioneiros no
matagal, ali
venham a morrer.
»O regougar
que os cães selvagens soltam à Lua, sobretudo quando respondem aos
uivos,
resulta num concerto noturno que não se ouve sem um calafrio. De vez em
quando
também um urso ou um lince descem os montes Fagaras até aí; mas os
visitantes
verdadeiramente perigosos são os lobos. Se Bram Stoker escoltasse a
parelha de
Drácula com as matilhas uivantes para os lados de Borgo, aqui, no alto
vale de
Argens, as pessoas seriam com certeza atacadas, pois a desolação de
Inverno
torna esses animais raivosos. Compreende-se assim que pernoitar no
castelo de
Drácula seja considerado um desafio à morte e mesmo os mais ousados
raramente o
fazem».
Diz-se que
em Arefu os raros aldeões que de noite vão ao castelo, só se aventuram
levando
consigo um velho missal que, afirmam eles, afasta «os espíritos do mal
que
rondam pelas alturas».
O vale dos imortais
No
seu romance Drácula, Bram Stoker garante ter encontrado, em
1880, um
professor Arminius, da universidade de Bucareste que lhe entregou um dossier
«respeitante a V1ad V, filho de V1ad, o Diabo» atestando
que depois
da morte brutal, da sua inumação na ilha de Snagov, seguido do famoso
cataclismo que arrasou a ilha, Drácula reapareceu como «vampiro».
«Pedi ao
meu amigo que pusesse em ordem o seu
dossier. Todas as fontes
de
informação levam a pensar que Drácula foi um
voïvode
que ganhou o seu apelido ao combater os turcos
no grande rio, sobre a fronteira da terra turca. Sendo assim, não se
trata de um
homem vulgar, porque no tempo dele e nos séculos seguintes foi
considerado o
mais inteligente, o mais ardiloso e valente entre todos os que existiam
para
além das florestas (Transilvânia), Levou para o túmulo esse poderoso
cérebro e
um caráter de ferro que ‘utiliza agora contra nós’. Os Drácula, diz-nos
Arminius, foram uma grande e nobre raça, ainda que certos descendentes
seus
(segundo os contemporâneos) tivessem pacto com o diabo. Aprenderam o
segredo de
Satanás no Scholmance, entre montanhas, sobre o lago Hermanstadt, onde o
demônio se reclama, por direito, o décimo erudito.
»No
manuscrito encontram-se palavras como
estrgoica (feiticeira),
Ordog
(Satanás),
polok (inferno), e ainda se diz neste momento que Drácula, era
wampir».
Nos
contrafortes dos Cárpatos, nos vales da Transilvânia, as aldeias fazem a
época
histórica dos Drácula. De longe em longe destinguem-se granjas de
madeira, para
onde o camponês conduz o seu atrelado. O caminho é escarpado, todo exposto
ao
sol ao longo das encostas íngremes que levam a cumes solitários. Umas
vezes
aparece uma cabana de caçadores, um cal vário... meio engolido pela
vegetação.
Outras vezes surge alguma ruína imponente coroando a colina, os muros de
uma
antiga fortaleza colocada de sentinela à entrada de uma garganta
profunda, ao
fundo da qual brilham como um espelho as águas de uma ribeira.
E fácil compreender por que este território
inacessível foi noutros tempos a pátria dos Dácios, «o vale dos
imortais», que
os antigos gregos veneraram.
Num livro
misterioso, chamado
L’ lcosameron
Giacomo
Casanova – gentil-homem
veneziano, libertino, filósofo e mágico – conta-nos de um povo que vivia
no
subsolo da Transilvânia, os
Mégamicres, bebendo sangue para se
tornarem
imortais:
«Que belo
alimento era o leite dos
Mégamicres!... Pensamos que nada de
fabuloso
nos ensinara a mitologia, que estávamos no verdadeiro domicílio dos
imortais e
que o leite sugado por nós representava o néctar, a ambrósia
,
que iria sem dúvida dar-nos a imortalidade de que
todos deviam desfrutar... Esta refeição durou uma hora e penso que
teríamos
ainda continuado não fora verificarmos com pavor algumas gotas que
caíram dos
seus mamilos para o nosso peito. Pela cor percebemos que era sangue.
»Intermináveis
corredores ligam o mundo subterrâneo dos Mégamicres à região do
lago
Zirchnitz, na Transilvânia, que Casanova descreve como um ‘reino de
grutas e de
trevas’.»
Quais são
os deuses venerados pelos Mégamicres, em Icosameron? Lendo
a
descrição que Giacomo Casanova nos faz, pensamos nos vampiros que povoam
a
tradição de Europa central:
«...Os
deuses dos Mégamicres são répteis. Têm a cabeça muito parecida
com a
nossa, mas sem cabelo. Nada é tão doce e sedutor como o seu olhar,
quando se
fixa. De dentes são brancos e bicudos, mas nunca se vêem por eles terem
sempre
os beiços fechados. A voz é apenas um horrível silvo que faz ranger os
dentes e
gelar o coração. O povo dos Mégamicres dedicam-lhe 1m culto
religioso.
»A vida e a
morte de Casanova continuam misteriosas. Foi preso em Veneza, pela
Inquisição,
acusado de magia e fechado nos esgotos do Palácio ducal, donde conseguiu
fugir
e correr a Europa. Manuzzi – espião dos inquiridores de Veneza,
conseguiu
apoderar-se de livros e documentos manuscritos em sua casa, tais como as
Clavicules
de Salomon, as obras de d’Agripa, e o Livre d’Abramelin le mage
(publicado
em Veneza).
No seu L’
Icosameron, Casanova revela que os Mégamicres são os
inimigos do
envelhecimento, e que nunca envelhecem:
«O sono
profundo», escreve ele, «uma tão perigosa languidez, que é visível que
nos faz
envelhecer e acelera o ritmo das nossas vidas...»
Sabe-se que
Drácula foi enterrado na ilha de Snagov, à entrada da igreja do
mosteiro, e
procedeu-se as várias buscas em vão. O túmulo está vazio, acontecendo o
mesmo
com o de Giacomo Casanova, enterrado no parque do castelo de Dux, na
Boêmia,
sob uma pedra tumular rodeada por um gradeamento. Depois foi transladado
para
poucos metros de distância, perto da entrada da pequena igreja de Santo
Eustáquio, na margem de um pequeno lago...
Hoje não
existem nem as lages sepulcrais nem gradeamento! Que coincidência tão
estranha
até à morte... Drácula e Casanova!... Coincidências ou conjugações de
forças
secretas para lá da nossa compreensão?... Os imortais bebedores de
sangue de
Giacomo Casanova viveram em tempos longínquos na Transilvânia, perto do
lago
Zirchnitz, numa região de «grutas e trevas».
A
Transilvânia foi a pátria dos dácios muito antes da era cristã. Os
gregos
acreditavam que este enclave de montanhas era o «Vale dos imortais».
A antiga
terra dos dácios era pagã. «Aí existiam, governados pela misteriosa
deusa
Mielliki, as forças dos bosques, enquanto a oeste a montanha de Nadas
tinha o
vento como único habitante. Havia um deus único, mas nos Cárpatos
supersticiosos havia sobretudo o diabo Ordog, servido por feiticeiras
que, por
sua vez, tinham ao seu serviço cães e gatos pretos. E tudo vinha dos
elementos
da natureza e de suas fadas... No meio das árvores sagradas, de
carvalhos, de
nogueiras fecundas, celebravam-se secretamente os cultos do Sol e da
Lua, da
aurora e do cavalo preto da noite.»
Testemunhas
da Grécia antiga recordam ter visto legiões de dácios em pé de guerra,
armados
de escudos, trazendo a efígie do dragão nas armas de guerra.
Para os
raros viajantes da Antiguidade, este povo selvagem corresponderia aos
Hiperboreanos da mitologia, os homens-deuses que venceram a morte e
reinaram na
ilha de Thulé (Os filósofos gregos e pessoas que em viagem citam a Dácia
hiperboreana).
Os dácios
consideravam-se imortais. Tinham – acreditavam eles – o dom de se
transformar
em lobo ou em morcego, de voar, de dialogar com os deuses no alto das
montanhas. Os lugares escolhidos
para os rituais eram sobre os picos rochosos, no interior de grutas
inacessíveis. E sobre estes cumes que os grandes senhores – Drácula,
Garal, Cillei – construíam seus ninhos de águias.
A suprema autoridade religiosa dos
dácios,
aquele que detinha os segredos da vida e da morte, viveu, ma das
florestas da
Transilvânia, no cimo de uma montanha agreste na qual construíram um
templo.
Supõe-se hoje que tivesse sido o monte Cugu, que se eleva a três mil
metros de
altitude nos confins de Banat e da Transilvânia.
Para os «padres» dácios, a divindade
suprema
chama-se Zalmonix. E ela que preside à iniciação.
Entre Zalmonix e os sacerdotes de
Transilvânia existem outros seres que servem de intermediários entre os
homens
e a divindade suprema. Estes seres seriam eventualmente os vampiros ou
mortos-vivos, isto é, aqueles que venceram a morte e que têm o poder de
voltar
ao meio dos homens, segundo a sua vontade.
O príncipe romeno Bursan-Ghica, exilado
em
Paris desde os anos 50, recorda ainda as velhas lendas da Transilvânia:
«Para comunicar com Zalmonix, os dácios
têm
de recorrer a mensageiros. Escolhem por isso os irmãos mais avançados em
magia,
aqueles que ultrapassaram o limiar da iniciação. Estes eleitos são os
sacrificados. Os dácios trespassam-nos com as pontas das suas lanças.
Mas sete
dias depois, os corpos trespassados saem do túmulo e juntam-se aos
outros.
Tornaram-se imortais e farão de elo entre os Dácios e Zalmonix.
Naturalmente
que as lanças foram substituídas por agudas estacas que se plantavam na
terra.
Compreendem agora a realidade secreta da estaca dentro do vampirismo, e a
razão
por que o Drácula foi alcunhado de vlad, o empalador?...
Para certos ocultistas, fanáticos do
vampirismo, o príncipe Drácula não seria um guerreiro sanguinário ao
empalar as
suas vítimas para seu prazer... antes cumpria as práticas da magia
antiga e dos Dácios, seus antepassados, os imortais da Transilvânia.
Em 1462,
Vlad Drakul foi preso na Hungria, na torre de Salomão, palácio de
Visegrad.
Segundo Kurytsint um diplomata russo, Drácula mantinha excelentes
relações com
os guardas. Fez-lhes um pedido que não deixa de ser curioso! Desejava
que lhe
arranjassem ratazanas, ratinhos, pássaros e outros animais pequenos.
Que razões secretas o levariam a tal? Kurytsint que
estudou Drácula narra que ele empalava estes animalejos e os dispunha em
redondo ou em cepa, espetados em raminhos afiados sobre o chão da sua
cela. Os
cronistas referem as distrações atrozes, de um sadismo monstruoso. As
obras
recentes acerca do personagem histórico Vlad Drakul (entre eles o livro
do
historiador Romeno Florescu) são bem o testemunho da opinião do autor
quanto a
tratar-se de perversões psicopatológicas. Apenas os ocultistas e os
adeptos do
vampirismo viram nelas o ressurgimento da antiga magia Dácia oferenda
oculta
único vínculo possível com Zalmonix deus dos vivos e dos mortos nas
antigas
crenças da Transilvânia